O que dizer quando se tem um homem com memórias transbordantes na sua frente? Nada. Cabia a todos nós ouvir. E ouvindo, imaginar. E imaginando, ser. Éramos como a correnteza e ele o rio - fazíamos o rio revelar parte de seus mistérios, mas pouco me interessava decifrá-los. Era o mistério como catalizador da dúvida, que nos deixava ali, com os olhos espantados, em frente ao portão a ouvir sobre aquele bairro-brejo. Ou melhor, sobre esse bairro-coragem, bairro-resistência, bairro-migração, bairro-periferia, bairro-Romano. Seu Rafael era o rio que estávamos prestes a mergulhar. Resolvemos tapar o nariz e entrar na água. Não! Destapemos! Aquele cheiro forte podia ser sentido das margens e das casas ribeirinhas. Era um desprendimento de energia desnecessário. Entremos inteiros no rio! E entramos. O rio Seu Rafael é daqueles que não dá pra ver o fundo, mas conseguimos sentir os peixinhos mordendo nossas pernas, e entre glubs glubs dizerem que não entendiam o que queríamos ali se não pescá-los e comê-los. Digo a eles que... Cobriu! A água tá chegando na boca, ela já cobriu o pescoço! Ficamos? Um vizinho ali próximo do rio deu um passo adiante e gritou: Vocês estão num buraco! Desse lado do rio, a água é nos joelhos. Ah, a sabedoria dos antigos nos pondera a permanecer. E ficamos. A água foi secando. Se aquele cheiro era de sujeira eu não sei. Desconfio que o fedor venha da água parada. Vamos movimentá-la!
Ana Carolina Marinho
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Materialidade textual construída durante o ateliê de Memória e Narrativa de 15 de julho de 2012 por Ana Carolina. |
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